Como reconhecer se estou em um relacionamento abusivo?
- Carolina Freitas
- 25 de mar. de 2023
- 4 min de leitura
Antes do feminicídio, do empurrão ou do tapa, muitas outras formas de violência indicam um relacionamento abusivo
Você sabe o que é um relacionamento abusivo? Saberia identificar se você ou alguém próximo está vivenciando um relacionamento abusivo?
Estas perguntas têm sido recorrentes em meus atendimentos clínicos e nos meus atendimentos em sexualidade direno portal Sexo sem Dúvida. O tema também está muito presente em discussões nas redes sociais. O caso da apresentadora Titi Müller, que trouxe à tona agressões psicológicas e físicas de seu ex-marido desde a gravidez.
É importante saber que o relacionamento abusivo pode acontecer em qualquer relação, independente de classe social, raça, etnia, identidade de gênero e orientação afetivo-sexual. Ou seja, há a violência nos casais heterossexuais bem como nos casais homoafetivos. É uma questão de poder! Na reflexão de hoje vou usar o termo abusador/agressor no masculino, por ser mais comum em relações entre homens e mulheres.
Nem toda violência deixa um hematoma, mas deixa cicatrizes. Logo, é difícil perceber quando não há marcas no corpo. A violência não costuma começar pela física, pelo tapa, pelo empurrão. E pode nem chegar no tapa. É o caso da violência psicológica.
Uma forma de se proteger é através do conhecimento. Vou deixar aqui algumas definições e você pode se aprofundar no tema lendo a Lei Maria da Penha, artigo 7º. Lei 11.340/2006.
Então, quais são as violências que configuram um relacionamento abusivo?
Violência física: qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal. Por exemplo, bater, empurrar, arranhar, morder, jogar objetos.
Violência psicológica: qualquer conduta que cause em você danos emocionais e prejuízos psicológicos. Por exemplo, humilhação, chantagem, insultos, ridicularização, controle de comportamento, não reagir bem às suas conquistas, não gostar que você fale com outras pessoas (isolamento) e dizer que você é responsável pelas ações dele.
Violência sexual: qualquer conduta que te traga constrangimento ao presenciar, manter ou participar de atividade sexual não desejada ou não consentida. Impedir o uso de método contraceptivo, forçar a gravidez, o aborto ou a prostituição mediante força e ameaça. Forçar relações sexuais sem a sua expressa vontade, mesmo dentro de um casamento ou namoro. Isso se chama estupro marital.
Violência patrimonial: qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos, controlar suas contas, controlar o que você pode ou não gastar.
Violência moral: qualquer ato que configure calúnia, difamação ou injúria. Desqualificação e humilhação. Uso de afirmações como “você é louca”, “isso é coisa da sua cabeça”, frases que fazem você mesma questionar sua compreensão da realidade.
Violência digital: constranger, perseguir, vigiar e ameaçar através da redes digitais.
Diante de diversas formas de violência, para além da física, aliada às naturalizações, como “é o jeito dele”, “ele está estressado”, “ele não estava em um bom dia” ou “eu o provoquei”, é comum estar numa relação agressiva e não conseguir perceber isso. Principalmente se não houver a violência física.
Saiba que nem sempre (ou quase nunca) é um comportamento patológico. Os relacionamentos abusivos estão ligados a estas naturalizações, à educação desigual de meninos e meninas (homens/mulheres). Geralmente são homens com a masculinidade adoecida. Repito, é sobre poder!
E só acontece com mulheres com baixa autoestima? Não! A própria relação vai minando com esta mulher, com a sua segurança e seu senso de identidade (será que eu sou isso mesmo?). A iminência da violência já fragiliza. Não é normal você se sentir cansada, exausta, culpada, errada, ter de pedir desculpa… não é normal. Isso já pode ser um sinal.
A naturalização de que o desconforto na relação é “assim mesmo” e ter aprendido que tem de agradar o outro são formas de manutenção de relacionamentos abusivos. É tudo muito sutil e por isso os abusos são normalizados pela sociedade e isso torna difícil identificar o que é um relacionamento abusivo, perceber que está sofrendo uma violência psicológica e até mesmo sair de um relacionamento abusivo.
Então, se muitas de nós (me incluo aqui enquanto mulher) estamos sendo abusadas/violentadas ao mesmo tempo, não é uma questão individual, é uma questão social. É preciso parar de culpar a mulher por sofrer violências. “Dedo podre”, “não sabe escolher” e “estava carente” são afirmações que, além de culpar as mulheres, inviabiliza o debate sobre o tema, tornando essas atitudes violentas naturais dentro de um relacionamento.
Não tem como esgotarmos aqui o tema, mas segue a reflexão: se te constrange, se tem controle em forma de cuidado e críticas em forma de conselhos, atenção! Se você se sente cada vez mais insegura e mais dependente dele. Atenção! Se você não pode discordar dele de forma privada ou pública, se ele te faz se achar burra, se ele te faz se achar inadequada, se ele diz que o seu corpo não é bom o suficiente, atenção! Pode ser uma grande cilada.
Como não cair na cilada do relacionamento abusivo?
Como já vimos, é uma questão social. Não culpa das mulheres. Se é estrutural, não é justo culpar as mulheres. Por ser estrutural, TODAS nós estamos vulneráveis. Não é sobre ser fraca. Não é sobre ter dedo podre. Não é sobre baixa autoestima. É preciso mudar a estrutura.
Para se proteger, cuidar de você e da sua autonomia em todas as áreas da sua vida, um bom processo psicoterápico pode te ajudar muito. Cuidado, admiração e respeito por você mesma. Cuidado com o que você naturaliza. Faça por e para você. Não se negligencie, não coloque a sua vida sob a responsabilidade de outra pessoa. Você precisa olhar para você e para o que você aprendeu sobre o amor.
Finalizo com as palavras da psicanalista Manuela Xavier, “o abuso não acaba quando termina a relação”. E depois de sair da relação abusiva? E como ficam as sequelas do abuso? Esta conversa fica para outro momento. Mas já adianto que é preciso desaprender os comportamentos e afetos tóxicos. Isso não é uma tarefa fácil, há uma adaptação aos mecanismo de enfrentamento (sobrevivência!), mas é possível. Autoconhecimento é a palavra-chave do bem-estar.
Se você está em uma relação abusiva procure ajuda!
Central de atendimento à mulher: Disque 180.
Em caso de emergência ou se você estiver presenciando uma situação de violência: Disque 190.
Auxílio psicológico e jurídico gratuito em: mapadoacolhimento.org
--
Texto publicado originalmente em ND+
Comments