Onlyfans: empoderamento ou mais uma forma de objetificar mulheres?
Monetizar a hipersexualização das mulheres é mesmo uma forma de empoderamento ou um comportamento ainda galgado no que é tradicional e patriarcal?
Se você ainda não ouviu falar na plataforma OnlyFans, saiba que é uma rede social que permite a criação de conteúdos exclusivos e a conexão com seguidores (as), conhecidos como fãs, de forma monetizada.
De nudes a conteúdos sexualmente explícitos, a plataforma ganhou força no período de isolamento social provocado pela pandemia de Covid-19. Estes conteúdos podem ser consumidos através de uma assinatura digital, restrita a maiores de 18 anos com conta bancária habilitada para transações internacionais, já que os pagamentos são feitos em dólar.
Vamos precisar definir dois conceitos para iniciar a nossa conversa de hoje: objetificação e empoderamento. Termos que vêm sendo amplamente confundidos em nome de uma liberdade feminina e que também são usados com frequência por pacientes que buscam psicoterapia da sexualidade em meu consultório e nos atendimentos online realizados por meio da plataforma Sexo sem Dúvida. Vamos às definições:
Objetificação: segundo o dicionário Aurélio online, a palavra significa “processo que atribui ao ser humano a natureza de um objeto material, tratando-o como um objeto ou coisa; coisificação”. Ou seja, a pessoa enquanto objeto, sendo a aparência a característica mais importante.
Empoderamento: também pela definição do mesmo dicionário, “ação de se tornar poderoso, de passar a ter poder, autoridade, domínio sobre…” Aqui, no caso, a mulher tomando o poder sobre si e exercendo-o em sua plenitude. Lembrando que o termo está ligado ao coletivo e à busca por equidade de gênero.
Diante dessas perspectivas, o OnlyFans propicia empoderamento feminino ou uma nova forma de objetificação das mulheres?
O OnlyFans é uma plataforma na qual mulheres – que já trabalhavam ou não – com a indústria pornográfica podem controlar suas imagens, o que fazem com seus corpos, com seu tempo e o dinheiro que geram com isso. Evitam possíveis abusos cometidos pela indústria pornográfica, mas ficam mais vulneráveis à violência digital.
Se a mulher tem de estar com o corpo dentro de um padrão ou atendendo especificamente a um fetiche, a liberdade de escolha pode estar sendo usada como exploração. E quem lucra com isso? O feminismo, decerto, não é. Pois as mulheres (me incluo aqui) só terão liberdade de escolha quando a sociedade for igualitária. Monetizar a sexualidade e a sensualidade não é empoderamento. A banalização da sexualidade não é empoderamento.
A independência financeira da mulher pressupõe fator imprescindível para sua autonomia. Muitas mulheres têm aberto contas no OnlyFans diante da falta de empregos ou de boas remunerações.
Se o motivo é primordialmente econômico, é preciso alertar sobre as violências digitais e considerar as duas faces da mesma moeda que o OnlyFans traz: o dito empoderamento das mulheres escancara a falta de oportunidades. É o retrato da desigualdade de gênero. Logo, é preciso que as mulheres realmente possam falar em escolha, em empoderamento.
A conquista da liberdade sobre seus corpos e da sexualidade é de grande importância na luta pela autonomia das mulheres, incluindo a sexual. Mas esbarramos diariamente com a hipersexualização do corpo feminino, tão enraizada em nossa sociedade, e que não costumamos questionar. Assim, chamar de empoderamento a hipersexualização do corpo feminino no OnlyFans é um esvaziamento do seu sentido primordial.
Talvez a conversa de hoje tenha sido diferente do que você esperava. Mas é importante ter conhecimento, informação e leitura para poder realmente fazer uma escolha e falar em empoderamento.
Sendo o foco a autonomia da mulher no seu sentido amplo (emocional, sexual, financeiro), além do poder de escolha, é preciso ficar atenta sobre como está sendo vendido o discurso de empoderamento feminino.
Manter uma norma sobre o “ser mulher e o que é a sexualidade feminina” pautada no que há de mais tradicional e patriarcal, que é a hipersexualização e a objetificação de mulheres, é negar as consequências emocionais e sociais que as mantêm no lugar de subalternidade.
Texto publicado originalmente em ND+
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